Três detalhes da minha Pintura "Gólgota"
Óleo sobre tela - 138x223 cm - 2009
Nesta segunda edição de texto e imagens que faço aqui, tentarei dar uma ideia da orientação dos conteúdos que quero colocar com uma regularidade aproximadamente semanal.
Como alguns de vós já sabem, as minhas actividades actuais dividem-se, maioritariamente, entre a pintura e a fotografia. Salvo circunstâncias em que seja necessário contextualizar e/ou ilustrar conceitos e ideias e referir outros autores, as imagens que aqui irei colocar serão da minha autoria. Tal é o caso das poucas que, até este momento, por cá se encontram.
Uma das intenções de abrir esta via de contacto convosco é justamente o desejo de compartilhar, de forma cómoda e acessível, nos momentos mais convenientes, o trabalho com que ocupo o tempo da vida que percorro. Talvez a vontade de cumprir, em parte, a necessidade de divulgar, de dar à luz dos vossos olhos as ferramentas, os meios, com que tento expressar o que sinto e acredito ser uma visão, descoberta a cada momento, intuída mais que adquirida conscientemente do que são gotas do oceano, em que todos navegamos, no mesmo imenso navio. Ao fim e ao cabo, talvez apenas cumprir o objectivo da comunicação que é, na essência, o acto criativo de qualquer trabalho artístico. Chegar ao outro, emocionando-o, por meios para além da linguagem escrita ou falada .
Portanto, aqui escreverei sobre Arte. Falar sobre Arte é, deverá ser, falar da Vida. Espero que troquemos ideias acerca de tão importante assunto, porque este é um espaço aberto. Para cada conteúdo que editar, haverá todo o espaço para um confronto saudável de conceitos e pontos de vista, porque tenho consciência de que haverá demasiado em causa para receber consenso. E, além disso, todos sabemos que não há uma verdade única e científica, sobretudo quando se trata de uma matéria desta natureza, neste tempo da sua história.
Os meus quadros e as minhas fotografias são objectos mais ou menos conseguidos. Cada um deles, após a sua conclusão, deu-me uma sensação de mais um passo imperfeito na direcção de um desejo impossível de perfeição. Assim devem ser, e é dessa mistura de sentir satisfação e insatisfação, em partes casadas, que vou em frente, sempre na vontade de lá chegar. Valem o que valem, estes trabalhos, e apesar de ter pontos de vista definidos sobre os atributos da Arte, recuso-me a avaliá-los. Essa tarefa deve ser cumprida por aqueles a quem se destinam. Do meu lado, satisfaço o impulso de os criar, de uma forma despojada da ansiedade do sucesso, no sentido material, fútil e mundano. Procuro, isso sim, visibilidade e exposição à apreciação crítica.
Agora, uma palavra, um ponto de vista, que para mim faz todo o sentido, sobre o presente panorama da pintura. A pintura é uma das maiores tradições da expressão humana, acompanhando toda a sua história conhecida. Esta tradição hoje apresenta-se uma manta de retalhos múltipla, aparentemente um modelo de liberdade formal e conceptual, plena de reflexos da realidade e das vivências do nosso tempo, sendo uma correspondência sublime à elevada projecção intelectual do ser humano contemporâneo. Espero demonstrar, através dos textos que aqui irão ser editados, que há fortes razões para discordar profundamente dessa perspectiva. Direi as razões porque penso que a pintura sofreu um profundo atentado durante todo o século XX. Porque penso que o declínio a que hoje assistimos, teve início com o reconhecimento do impressionismo e do pós-impressionismo, e se instalou com a aceitação generalizada da transformação nas Artes Visuais, por alturas da Primeira Guerra Mundial, em que as novas ideias foram adoptadas pelo ensino nas Escolas de Arte, as peças que daí resultaram foram legitimadas pela Crítica de Arte e se consolidou a sua exibição nos Museus.
De facto, já no século XIX, os Pré-Rafaelitas questionavam os caminhos da Arte após Rafael. Organizados como uma Confraria Medieval, defendiam a Arte como ideal romântico, nos moldes do Gótico tardio e do Proto-Renascimento. Deixaram-nos excelentes trabalhos e foram vítimas, também eles, das mudanças da Arte Contemporânea, que desvalorizou tudo o que foi central às suas ideias.
Há já algum tempo que me dedico ao problema da definição de Arte. Entre diversas obras que consultei, destaco um livro de ensaios de Umberto Eco, escrito entre 1955 e 1963, a propósito deste tema, com o título, precisamente de "A definição da Arte", onde ele diz, na nota introdutória, que tem por objectivo, mais do que "a definição da Arte", "o problema da definição da Arte". Por outro lado, o filósofo Nigel Warburton, publicou em 2003 "O que é a Arte?" (no original "The Art question") em que fez uma abordagem mais recente à questão. Warburton tenta responder analisando a história das ideias sobre arte, precisamente a partir do pós-impressionismo, com uma reflexão sobre o manifesto de Clive Bell, "Art", datado de 1914, cujo objectivo fundamental é legitimar a pintura de Cézanne, elevando-a ao nível de clássicos, como Leonardo e Miguel Ângelo. O título original da obra era "A nova Renascença", e foi o início do que o próprio Clive Bell, veio mais tarde a chamar "a batalha do pós-impressionismo", valorizando-o através da afirmação "a arte é forma significante". Percorrendo as ideias e conceitos de todo o século XX, Warburton não tem uma resposta, no final do livro. Acaba rendendo-se e rendendo-nos, nessa leitura, ao facto mais aceitável de não haver definição para o termo "Arte", não apenas em termos de apreciação visual, mas também numa perspectiva relacional e não visual. Já Umberto Eco, num dos últimos ensaios, em 1963, encontra, de forma brilhante, algumas âncoras para racionalizar a inquietante impossibilidade de uma definição objectiva.
Diz:
" É possível que, face à obra, eu compreenda os valores que ela me comunica e que, no entanto, não os aceite. Em tal caso posso discutir uma obra de Arte no plano político e moral, e posso rejeitá-la, contestá-la, justamente porque é uma obra de Arte. Isto significa que a Arte não é o Absoluto, mas sim uma forma de actividade que entra em relação dialética com outras actividades, outros interesses, outros valores. Face a ela, na medida em que reconheço a obra como válida, posso fazer as minhas escolhas, eleger os meus Mestres. A tarefa do crítico pode ser também e especialmente esta: fazer um convite à escolha e à descriminação. "
Nesse ponto de vista, que não tem qualquer conflito com as minhas convicções e sensibilidade, sobre este assunto, falarei adiante, nos próximos textos, sobre o que penso de diversos movimentos artísticos, nomeadamente a chamada Arte Moderna e Pós-Moderna nos seus, alegadamente, mais revolucionários e importantes movimentos libertadores, como o Expressionismo Abstracto, Fauvismo, Cubismo, Minimalismo, Op-art e essa instituição contemporânea chamada Arte Conceptual. Falarei de autores como Caravaggio, Durer, Cranach, Vermeer, Velázquez, Rafael, Leonardo, Rubens, Rembrandt e de outra forma usando a liberdade, com todos os riscos implícitos, de dizer o que alguns considerarão sacrílego sobre "monumentos" consensuais como Cézanne, Picasso, Matisse, Pollock, de Kooning e Rothko.
Até lá, deixo-vos com detalhes de uma pintura minha de título "Gólgota". Na próxima semana editarei aqui a imagem completa do quadro. E direi porque penso que aquela que é considerada pelos conceitos modernos, a circunstância que mais desvaloriza a expressão figurativa de moldes clássicos, o chamado carácter "derivativo" em que a obra enferma de um estigma de cópia, plágio, ou seguidismo, não contendo, portanto a indispensável característica de conter algo de "novo", não é um inconveniente, mas antes uma virtude, e porque não lhe são atribuíveis os aspectos negativos referidos.
Em rodapé, a fechar este texto, está uma foto de um elemento do espólio do Mosteiro da Batalha, deslumbrante exemplo gótico da nossa terra, que fiz no passado fim de semana.