A iguana é um esplêndido réptil, dotado de uma personalidade tranquila e sociável.
Pelo fascínio que sempre exerceu sobre mim a estética magnífica dos lagartos e afins, decidi nesta série de pasteis sobre animais, incluir uma iguana.
À medida que ia executando a pintura iam ocorrendo em mim evocações e recordações curiosas, a partir das quais decidi estruturar o conteúdo desta publicação, para além da mostra da pintura.
Como nota introdutória apenas quero manifestar o meu repúdio pelo facto de termos transformado a iguana em animal de estimação. Este réptil acaba por ser vítima do seu carácter amável e da ganância e egoísmo humanos. Por ser possível o seu convívio, sem o risco de agressões e porque a ganância comercial dos agentes envolvidos no seu comércio, assim como o egoísmo de quem os coloca num ambiente que não é o seu, com exigências de rigor no seu cuidado que raramente é observado, resulta num mal estar do animal, frequentemente privado de liberdade de movimentos, da companhia dos seus iguais e dum ambiente e clima que lhe permita saúde física e mental.
Quando pretendemos partilhar a nossa vida com outras espécies devemos escolher animais cuja vida tenha garantia de qualidade nessa partilha. Cães e gatos são os mais adequados. Para quem dispõe de condições adequadas, cavalos, cabras e ovelhas também podem viver em excelentes condições. No entanto, em ambiente doméstico, resumiria as opções a cães e gatos. Gostaria que acabassem as aves de cativeiro. Bem-vindo seria o fim às gaiolas-prisão. O fim aos aquários-prisão. Peixes nos rios, nos mares e, uma única excepção para os lagos de dimensão considerável. Quanto a cães e gatos, seria bom acabar com o apuramento de raças, com o negócio de criação e promover o estímulo à adopção dos inúmeros animais que vadiam pelas ruas e povoam os canis e gatis, em condições deficientes, quase sempre aguardando destinos cruéis.
Iguana
Pastel seco sobre papel negro
50x65cm – 2009
Como disse, acima, ao fazer esta pintura vieram-me à memória curiosas lembranças do auto-intitulado Rei Lagarto, o cantor do grupo “The Doors” (assim chamado, por inspiração no título do livro de Aldous Huxley, “The Doors of Perception / As Portas da Percepção”).
Jim Morrison foi um cantor, compositor, poeta, escritor e realizador de cinema de origem norte americana. Foi um dos três Jotas (Jim Morrison, Janis Joplin e Jimmy Hendrix) falecidos, todos com 27 anos, na viragem da década de sessenta para a de setenta do século passado.
Morrison incarnou o espírito da época. Deixou, com os “Doors” um legado marcante na história da música popular. Quem viu o filme “Apocalipse now”, de F.F.Coppola, não esquece o final com a canção “The end”. Quem viu o filme “The Doors”, de Oliver Stone, não esquece o percurso torturado desta figura ímpar.
Os anos sessenta viram uma grande, enorme revolução, fragmentada em muitas revoluções. Erradicando do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, uma alteração de mentalidades que já vinha tomando corpo nos tempos de saída da Segunda Guerra Mundial, portanto na década de cinquenta, explode na década seguinte com um movimento sólido de contracultura. A música popular teve um importante papel de catalisador no movimento de envolvimento da adolescência e juventude na contestação rebelde dos valores socialmente instalados.
A atitude provocante dos cantores de Rock’nRoll de cinquenta deitaram as sementes para o aparecimento dos Beatles, dos Stones, dos Doors, Dylan e outros. Escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsberg foram ideólogos que colocaram ideias que alastraram. As filosofias de Herbert Marcuse, por exemplo, foram incorporadas. E foram novas formas de ver a política que levaram ao Maio de 68, em França, e tantas outras manifestações pelo mundo. Novas formas de ver o ser humano, na relação consigo, com os outros e com o meio que mudou a formar de viver. A revolução sexual e a procura de novas fronteiras para a mente provocou convulsões que colocaram em causa os modelos convencionais de família que hoje ainda vivem a agonia de problema mal resolvido.
Foi o tempo dos hippies, utopia que viveu os seus tempos de glória, na relação impossível entre a vivência da comunhão com a Natureza, em plena liberdade de comportamento, e o uso, sem regras, de psicotrópicos que provocavam alterações do estado de consciência que levavam a acções descontroladas.
O fim inevitável, deu-se no início da década de setenta, com os crimes da família Manson, o canto do cisne utópico de Woodstock e a morte dos três jovens cantores acima referidos. Com o tempo, os Hippies passaram a Yuppies, de revolucionários românticos abusadores de Lsd e Marijuana, a corretores e empresários abusadores de Anfetaminas e Ecstasy. Voltámos a um mundo em crise de valores, cuja solução se procura urgentemente.
Tudo isto se mistura com a minha vida. Tudo isto influenciou, de forma marcante, as minhas experiências, com a distância e resultante suavidade com que tudo se manifestava, neste Portugal condicionado por uma ditadura que promovia uma censura pouco dada a grandes liberdades. No entanto o movimento estudantil em que vivi os “anos quentes” assimilou muito do espírito “da coisa”.
Ao olhar para a nossa realidade actual, lembrei-me de um livro que, na época, foi importante para mim, e acabei por ir buscar à estante. É um livro de 1971, de Theodore Roszak, de título português “Para uma Contracultura”. Encontrei a passagem de que me recordei, que faz parte do prefácio e que passo a transcrever:
“A resposta, segundo julgo, é que me sinto incapaz de descortinar no termo da vereda que trilhamos com ímpeto tão confiante algo que não seja os dois tristes vagabundos de Samuel Beckett (permitam-me o meu parêntesis para esclarecer tratar-se de personagens da peça “À Espera de Godot”) eternamente à espera, debaixo daquela árvore mirrada, que a vida comece. Excepto que a árvore, segundo penso, não será sequer autêntica, mas uma imitação em plástico. Se calhar os próprios vagabundos serão, afinal, autómatos… embora, é claro, com um amplo esgar programado no rosto:”
Para evocar estes tempos decidi trazer aqui um poema de Jim Morrison que ilustra tudo o que aqui foi escrito. Nunca lhe conheci uma versão portuguesa, pelo que me lancei à tarefa de o traduzir, trabalho que executei de ontem para hoje. Não está perfeita esta tradução, mas penso que cumpre a sua razão de ser, alguns pontos acima do medíocre. Quanto baste, para se perceber o que era o génio dessa pessoa que não conseguiu gerir o tempo e as circunstâncias em que tentou articular a sua personalidade com o contexto em que se moveu. Moveu multidões, teve um reconhecimento quase planetário, mas foi preso em palco, por exposição obscena, por mostrar o seu corpo. Claro que a utilização de químicos que lhe alteravam o estado de consciência não era alheia a esses acontecimentos, como não era ao conteúdo surrealista, psicadélico, mas profundamente inteligente, com que as palavras, à primeira análise, com pouco nexo, retratavam uma verdade de um tempo e de um espaço em conturbada convulsão. Um génio torturado que escreveu :
A CELEBRAÇÃO DO LAGARTO
Leões vagueiam pelas ruas,
Cães no cio, raivosos, babando-se
A fera enjaulada no coração da cidade
O corpo da sua mãe
apodrecendo no solo do verão
ele fugiu da cidade
Ele foi para sul e atravessou a fronteira
Deixando o caos e a desordem
Para trás das costas
Uma manhã ele acordou num hotel verde
com uma criatura estranha a gemer ao seu lado
O suor a escorrer da sua pele brilhante
Estão todos a seguir-me?
A cerimónia está prestes a começar.
Acordem!
Vocês não se podem lembrar onde isto aconteceu
Será que acabou este sonho?
A cobra era de um dourado pálido
Contraída e brilhante
Tínhamos medo de lhe tocar
Os lençóis eram quentes prisões de morte
E ela estava ao meu lado
Velha, não é ela, jovem
O seu cabelo vermelho escuro
A sua pele branca e suave
Agora, corre para o espelho da casa de banho
Olha!
Não posso viver através de cada lento século do seu movimento
Deixei a minha face descair
O fresco azulejo liso
Sente o bom sangue frio e picante
As suaves e sibilantes cobras da chuva
Em tempos tive um joguinho
gostava de rastejar pelo meu cérebro
Julgo que sabem o jogo a que me refiro
É o jogo que se chama “ficar louco”
Agora penso que vocês deviam tentar este joguinho
Fechem os olhos, esqueçam o vosso nome
Esqueçam o mundo, esqueçam as pessoas
E levantemos uma nova torre
Este joguinho é divertido
Fecha os olhos porque é impossível de perder
Estou lá,
Vou perder o controlo, vamos a abrir
De volta ao profundo do cérebro
De volta onde nunca há dor
E a chuva cai suavemente na cidade
Sobre as nossas cabeças
E no labirinto dos fluxos
Subterrâneo, a extraterrestre presença calma
dos nervosos habitantes das colinas circundantes
Onde os répteis abundam
Fósseis, grutas, nas alturas ar fresco
Cada casa repete um modelo
As janelas rolaram
Carros bestiais encerrados contra a manhã
Agora dormem
Tapetes silenciosos, espelhos vazios
Sob as camas de casais legítimos há um pó cego
Ferido nos lençóis
E filhas presunçosas
com olhos de sémen nos mamilos
Esperem
vai haver uma carnificina aqui
(Não parem para falar ou olhar à volta
As tuas luvas e o leque estão por terra
Vamos deixar a cidade
Vamos em fuga
E tu és a escolha para vir )
Não tocar na Terra
Não olhar o sol
Não deixar nada por fazer, mas
fugir, fugir, fugir
vamos fugir
Anda querida foge comigo
Vamos fugir
Foge comigo
Foge comigo
Foge comigo
Vamos fugir
A mansão é acolhedora no cimo da colina
Sumptuosos são os quartos e os confortos lá
Os braços das cadeiras luxuosas são vermelhos
Não conhecerás isto se não entrares
O corpo do presidente morto está no carro do motorista
O motor trabalha com cola e alcatrão
Vamos embora, não vamos longe
Para oriente, ao encontro do Czar
Alguns marginais vivem na margem do lago
A filha do sacerdote está apaixonada pela cobra
que vive num poço ao lado da estrada
Acorda, miúda! Já quase chegámos
Sol, sol, sol
Queima, queima, queima
Quase, quase, quase
Lua, lua, lua
Vou-te ter
Dentro em pouco!
Dentro em pouco!
Dentro em pouco!
Que os sinos do carnaval soem
Que a serpente cante
Que tudo aconteça
Nós descemos
Rios e auto-estradas
Viemos
Das florestas e cataratas
Viemos
De Carson e Springfield
Viemos
Fascinados de Phenix
E posso dizer-te
os nomes do Reino
Posso dizer-te
As coisas que já sabes
Ouvindo um punhado de silêncio
Subindo vales na sombra
Eu sou o Rei Lagarto
Posso fazer qualquer coisa
Posso fazer a terra parar no seu movimento
Fiz os carros azuis desaparecer
Por sete anos habitei
No vasto palácio do exílio
Fazendo estranhos jogos
Com as raparigas da ilha
Agora estou de volta
À terra dos justos, dos fortes e dos sábios
Irmãos e irmãs da floresta pálida
Crianças da noite
Quem entre vós vai correr na caçada?
Agora, a Noite chega com a sua legião púrpura
Retirem agora para as vossas tendas e para os vossos sonhos
Amanhã entraremos na minha cidade natal
Quero estar preparado
“THE CELEBRATION OF THE LIZZARD
Lions in the street and roaming
Dogs in heat, rabid, foaming
A beast caged in the heart of a city
The body of his mother
Rotting in the summer ground
He fled the town
He went down South and crossed the border
Left the chaos and disorder
Back there over his shoulder
One morning he awoke in a green hotel
With a strange creature groaning beside him
Sweat oozed from its shiny skin
Is everybody in?
The ceremony is about to begin
Wake up!
You can't remember where it was
Had this dream stopped?
The snake was pale gold
Glazed and shrunken
We were afraid to touch it
The sheets were hot dead prisons
And she was beside me
Old, she's not, young
Her dark red hair
Her white soft skin
Now, run to the mirror in the bathroom
Look!
I can't live thru each slow century of her moving
I let my cheek slide down
The cool smooth tile
Feel the good cold stinging blood
The smooth hissing snakes of rain . . .
Once I had, a little game
I liked to crawl back into my brain
I think you know the game I mean
I mean the game called 'go insane'
Now you should try this little game
Just close your eyes forget your name
Forget the world forget the people
And we'll erect a different steeple
This little game is fun to do
Just close your eyes no way to lose
And I'm right there I'm going too
Release control we're breaking thru
Way back deep into the brain
Back where there's never any pain
And the rain falls gently on the town
And over the heads of all of us
And in the labyrinth of streams
Beneath, the quiet unearthly presence of
Nervous hill dwellers in the gentle hills around
Reptiles abounding
Fossils, caves, cool air heights
Each house repeats a mold
Windows rolled
Beast car locked in against morning
All now sleeping
Rugs silent, mirrors vacant
Dust blind under the beds of lawful couples
Wound in sheets
And daughters, smug
With semen eyes in their nipples
Wait
There's been a slaughter here
(Don't stop to speak or look around
Your gloves and fan are on the ground
We're getting out of town
We're going on the run
And you're the one I want to come)
Not to touch the earth
Not to see the sun
Nothing left to do, but
Run, run, run
Let's run
House upon the hill
Moon is lying still
Shadows of the trees
Witnessing the wild breeze
C'mon baby run with me
Let's run
Run with me
Run with me
Run with me
Let's run
The mansion is warm, at the top of the hill
Rich are the rooms and the comforts there
Red are the arms of luxuriant chairs
And you won't know a thing till you get inside
Dead president's corpse in the driver's car
The engine runs on glue and tar
C'mon along, we're not going very far
To the East to meet the Czar
Some outlaws lived by the side of the lake
The minister's daughter's in love with the snake
Who lives in a well by the side of the road
Wake up, girl! We're almost home
Sun, sun, sun
Burn, burn, burn
Soon, soon, soon
Moon, moon, moon
I will get you
Soon!
Soon!
Soon!
Let the carnival bells ring
Let the serpent sing
Let everything
We came down
The rivers and highways
We came down from
Forests and falls
We came down from
Carson and Springfield
We came down from
Phoenix enthralled
And I can tell you
The names of the Kingdom
I can tell you
The things that you know
Listening for a fistful of silence
Climbing valleys into the shade
'I am the Lizard King
I can do anything
I can make the earth stop in its tracks
I made the blue cars go away
For seven years I dwelt
In the loose palace of exile
Playing strange games
With the girls of the island
Now I have come again
To the land of the fair, and the strong, and the wise
Brothers and sisters of the pale forest
O Children of Night
Who among you will run with the hunt?
Now Night arrives with her purple legion
Retire now to your tents and to your dreams
Tomorrow we enter the town of my birth
I want to be ready “
Finalmente, uma oportunidade de ouvir, para que tiver a paciência de carregar os vídeos. Se gostar do primeiro, ouça os outros. Pode seguir o poema na versão em inglês.
Nota: No primeiro vídeo, a introdução, declamada, não tem os dois versos (importantes) em que se lê:
“Is everybody in?
The ceremony is about to begin”
Tenho uma versão antiga, em vinil, em que o poema está declamado integralmente. Se houver interesse darei indicações para encontarrem essa versão.